
Assim na terra como no céu
Com muita frequência, nós nos
deparamos com os resultados de pesquisas destinadas a compor
estatísticas que avaliam as tendências de nosso tempo nas diversas áreas
da vida e da atividade humana. Trata-se de uma atividade inteligente,
com metodologia precisa, cada vez mais apurada. Durante a semana que
passou, já estavam à disposição levantamentos a respeito do que os
eleitores levarão em conta nas próximas eleições municipais. Os
comerciantes estão sempre atentos às tendências de mercado, os meios de
comunicação conferem sua audiência, e daí por diante. Também as
estatísticas religiosas nos interessam. Queremos saber com quem estamos
tratando, como as pessoas recebem nossas mensagens, o efeito prático de
nossa pregação e daí por diante. É que todos querem saber em que chão
estão pisando.
Há alguns dias, veio-me um desejo
diferente: o de tornar-me, como um texto lido há alguns anos, um
contador de estrelas, olhando para o alto ao invés de olhar apenas para o
chão, sonhar com o Céu e não apenas constatar a realidade que nos circunda. E redescobri a oração do Pai-Nosso, tão antiga quanto nova e revolucionária.
Para rezá-lo, veio-me de forma espontânea o sinal da cruz. Antes de
"Pai nosso" eu disse: "Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo".
Vi que traçava, junto com as palavras, a cruz de Cristo sobre mim.
Pareceu-me ver o universo aberto de forma diferente, com uma haste
voltada para o alto, para o infinito. A outra abraçava o mundo. O
contador de estrelas começou a sonhar, mas com os pés no chão!
Vi
que existe no alto um modelo para caminhar na terra. De fato, há um
“plano” pensado desde toda a eternidade, há um sonho de Deus para a
humanidade. Seu nome é santificado porque as pessoas são chamadas a
viver voltadas para fora de si, abertas para amar e não dobradas sobre
os próprios interesses. Como sou livre, incomodou-me um pouco pensar
que, no desenho do projeto de Deus, está escrito que é para fazer a Sua
vontade, até que entendi que, numa reunião de amor, cuja duração se
estende por toda a eternidade, a família de Deus, o Pai, o Filho e o
Espírito Santo, tramaram a estratégia da felicidade. Pareceu-me ver,
olhando para as estrelas iluminadas no horizonte da fé, que é mesmo
melhor fazer o que agrada a Deus, pois Ele é infinitamente mais
inteligente do que todas as mentes humanas.
E foi então possível rezar de novo “venha a nós o vosso Reino”,
constatando que é melhor implantar o Reino que precede e pode iluminar
todos os reinos do mundo. Se eu tivesse em mãos todas as constituições
de todos os países, e a elas ajuntasse a avalanche de leis que os homens
e mulheres elaboram a cada dia, no afã de encontrar saídas para os
problemas de nosso tempo, descobriria nelas os rastros daquele “plano”,
porque sei que estão plantadas por aí muitas sementes do Verbo de Deus. É
que acredito na ação misteriosa e verdadeira do Espírito Santo, que
planta o bem onde nós menos esperamos.
Nas
estrelas do Céu de Deus, vi que estava escrita a lei da providência.
Pão do Céu e Pão da terra, pão compartilhado e dividido. Na oração, o sonho de que todos acolham o alimento do Céu
e aprendam a lei divina da liberalidade, para que não haja fome nesta
terra. Foi bom constatar que a natureza que Deus nos deu foi pensada com
inteligência. Não faltam recursos nem comida, mas falta partilha! Quem
se volta para o alto descobre a receita da despensa e da cozinha de
Deus!
O Céu de Deus, a casa da Santíssima
Trindade, é amor eterno. Quando desceu a terra, este amor assumiu a face
da misericórdia. Que ousadia e que risco corri ao dizer “perdoai-nos
assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido”. Viramos o jogo? O Céu
e o Pai do Céu se submetem à nossa capacidade de perdoar? É que o plano
de Deus nos introduziu num verdadeiro jogo de amor. Numa nova “escada
de Jacó” (Cf. Gn 28,12 e Jo 1,51), o Céu e terra partilham seus dons,
ainda que o Céu seja sempre o vencedor, pois a vitória que vence o mundo
é a fé!
Para chegar a tais alturas,
aquele que nos livra do mal nos liberte também da tentação de olhar
somente para baixo, nivelando o mundo ao rodapé das constatações frias.
Deus tem a palavra e Ele é mais inteligente do que minha pobre percepção
da vida. Olhando para Ele, que é família e não solidão, sonhei com o
mundo “passado a limpo”, como foi pensado para a felicidade de todas as
criaturas de todos os tempos.
Sonhei tanto que
rezei assim: “Ó Deus, nosso Pai, enviando ao mundo a Palavra da verdade e
o Espírito santificador, revelastes vosso inefável mistério. Fazei que,
professando a verdadeira fé, reconheçamos a glória da Trindade e
adoremos a Unidade onipotente”. E disse “Amém”. E sonhei de novo toda a
humanidade vivendo o Céu, na terra e na eternidade!
Arcebispo de Belém - PA
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